Em novembro de 2000, na conferência que proferiu no Festival de Medicina do Milênio, patrocinado pela Associação Médica Britânica, o príncipe Charles disse não ter dúvida de que a doença da vaca louca e as severas mudanças climáticas em seu país decorrem do aquecimento global e que este é fruto do “descaso arrogante da humanidade em relação ao equilíbrio da natureza”. A correlação entre clima e encefalopatia espongiforme bovina é estapafúrdia, tanto quanto supor, como fez o príncipe, que alterações atmosféricas isoladas têm algo que ver com a mudança do clima, pois apenas as que se manifestem durante longos períodos podem causá-la, o que é confirmado no terceiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU (pág. 5). O príncipe tampouco sabia que o número anual de tempestades tem sido decrescente nos últimos 30 anos, entre 30 e 60 graus de latitude norte, onde está o seu país.
Ao contrário do que dizem os que alarmam a população com falsas novidades e litanias sobre o dia do Juízo Final, o aquecimento da Terra é assunto antigo: os estudos científicos são anteriores a J. B. Fourier, que, em 1827, discutiu esse tema nos Anais do Institut de France (t. VII), que foi retomado em 1896 pelo sueco S. A. Arrhenius, Prêmio Nobel de Química de 1903, na Philosophical Magazine (41, 237-276), onde analisou a influência do CO2 no ar sobre a temperatura no solo e chegou a resultados pouco diferentes dos que são hoje conhecidos.
No livro Meltdown (Derretimento, Cato Institute, 2004), o festejado climatologista Patrick J. Michaels, com sabedoria e ironia incomparáveis, desmantelou previsões erradas de cientistas, de políticos e da mídia sobre o aquecimento global - seu livro tem o subtítulo The Predictable Distortion of Global Warming by Scientists, Politicians and the Media. Michaels lembrou que Arrhenius se valeu apenas de seus conhecimentos científicos e de lápis e papel para prever as variações de temperatura causadas por concentrações de CO2 na atmosfera e que seus cálculos revelam números apenas 60% superiores aos conhecidos hoje, que, disse ele, são obtidos ao custo de mais de US$ 20 bilhões, gastos com pessoas, computadores, hotéis, reuniões, viagens, modelos climáticos, etc. Em sua última reunião, cerca de 2.500 integrantes do IPCC chegaram a 245 valores diferentes entre 1,5 e 4,5 graus centígrados para o aumento de temperatura nos próximos cem anos, um enorme intervalo que também comprova o pouco apego da ONU à precisão numérica, pois revelou em 1980 que a Terra teria 15 bilhões de habitantes em 2050, número que corrigiu recentemente para 9 bilhões.
O degelo na Groenlândia tem sido apontado como prenúncio da hecatombe que elevaria o nível dos mares em vários metros. O mesmo relatório do IPCC, todavia, revela que ele ficará entre 2 e 9 centímetros. Tão leigo quanto o príncipe inglês, o senador norte-americano J. Lieberman afirmou em 2001: “A administração Bush ignora o terror do perigo ambiental e nega a realidade de 2.500 cientistas da ONU que nos dizem que, se não encontrarmos um meio de conter o aquecimento global, o nível dos mares poderá crescer para 35 pés (uns 11 metros) e submergirá milhões de lares sob os oceanos.” O senador também ignora que há milênios, quando não havia poluição, a concentração de CO2 na atmosfera foi 15 vezes superior à atual e que a ação do homem é infinitamente menor que a da natureza, pois esta desloca os continentes, levanta cadeias de montanhas, explode vulcões, gera tsunamis e aquece o Pacífico.
Outro ícone dos alarmistas é o Monte Kilimanjaro, que efetivamente perdeu enorme quantidade de neve; segundo Michaels, o jornal The New York Times de 19/2/2001 afirmou: “A capa de gelo no cimo do Kilimanjaro, que por milhares de anos flutuava como um sereno farol sobre a tremeluzente planície da Tanzânia, está recuando com tal velocidade que desaparecerá em menos de 15 anos, de acordo com estudos recentes.” A verdade é outra: as medições de temperatura feitas em 1912, 1953, 1976, 1989 e 2000 e mais recentemente por satélites mostram que a temperatura nas imediações do monte tem diminuído; a quantidade de neve não depende apenas da temperatura, mas também da umidade do ar e, nessa região, ela varia com o El Niño, que é gerado no Oceano Pacífico e ocorre com regularidade há milhões de anos.
O aquecimento da Terra é real, é lento e não há comprovação científica de que seja irreversível ou influenciado pelo homem. Com certeza, nada pode ser feito para alterá-lo, pois até fenômenos astronômicos conhecidos se correlacionam a mudanças climáticas - as manchas solares e a precessão, por exemplo. Além disso, toda a energia consumida pela humanidade por dia é 7 mil vezes inferior à que a Terra recebe do Sol no mesmo período. Por isso, resta aos governos incutir na população a importância da preservação, coibir os danos causados pela poluição - em particular a mental, de muitos dirigentes - e verificar que são inúteis as revoadas de políticos, diplomatas, burocratas, leigos e cientistas da ONU para locais aprazíveis como o Rio, Viena, Kyoto e Bali para “conter o aquecimento global.”
Cabe, assim, transcrever as palavras finais de Eugène Ionesco em seu primoroso artigo A cultura não é assunto de Estado, onde apenas substituí as palavras cultura e culturais por aquecimento global: “Quando ouço os homens de Estado, políticos, diplomatas internacionais, com suas grossas pastas e sua sobranceria falarem de aquecimento global, tenho vontade de tirar o meu revólver. Então, por que se metem os diretores da Unesco, por que se metem os políticos, os ministros nos assuntos do aquecimento global? Os assuntos do aquecimento global não são, a propósito, seus assuntos.”
José Carlos Azevedo, doutor em Física pelo MIT, foi reitor da Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: O Estado de São Paulo, 7 de novembro de 2007.
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