Os efeitos da crise financeira ultrapassam os limites do mundo dos negócios e chegam ao divã dos psicólogos, nas terapias de casais. Coincidência ou não, houve um aumento de 40% no número de separações e divórcios na capital paulista entre janeiro e março deste ano, na comparação com igual período do ano passado. De acordo com dados colhidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) nas varas de família, o número de processos pulou de 3.107 para 4.332 nesse período. A crise eclodiu nos Estados Unidos em setembro, mas seus efeitos reais passaram a ser sentidos no Brasil e nos tribunais a partir de janeiro.
A expansão no número de processos não surpreendeu o psicólogo e terapeuta de casais Antonio Carlos de Araújo, que há 21 anos atua na área. Desde o início do ano, ele diz ter notado uma "certa agressividade" entre os homens e suas respectivas mulheres, que o procuram para resolver conflitos conjugais. "Sem dúvida, essa crise amplificou os conflitos entre os casais. E é natural, considerando que segurança e dinheiro são os ícones da sociedade atual", analisa. Não é novidade que os problemas financeiros atrapalham, e muito, o bom andamento de qualquer relacionamento amoroso. De acordo com Araújo, depois da infidelidade e traição e incompatibilidade de gênios, os conflitos econômicos ocupam o lugar de maior destaque na eclosão de uma crise conjugal. Esses fatores são flutuantes, ele explica. E possivelmente a falta de dinheiro ou o receio de perder o emprego podem, neste momento, estar influenciando, sim, a expansão do número de separações.
Um dado curioso é que nem sempre a questão é levantada pelo casal no consultório. "Sabemos que o centro do problema é financeiro, pela experiência profissional. Quem perde o poder econômico, perde a paciência, o diálogo fica impossível, e a agressividade é latente, aparece muito disfarçada", analisa. De acordo com o terapeuta, tocar nesse assunto é um tabu e, em geral, a questão é escondida por vaidade. De todos os casos que acompanha, só um paciente, do ramo da construção civil, que sofreu redução do valor de seu contra-cheque com a diminuição dos negócios, foi sincero o bastante para assumir o conflito atual na terapia. "Está literalmente desesperado e mergulhado na crise. Perdeu a vontade de passear com a mulher, de conversar e até de transar."
Diferentemente de outras crises econômicas que surpreenderam o mundo, como a que atingiu a Ásia em 1998, a atual é peculiar e com efeitos mais nocivos, na opinião do terapeuta. Isso porque o País experimentou nos últimos anos um vigoroso crescimento econômico, e os brasileiros se habituaram a um cenário favorável e próspero, acreditando que fosse permanente. "As pessoas estão mais preocupadas em manter o que conquistaram do que em gerenciar a crise, e isso causa uma insegurança absurda, podendo chegar inclusive à loucura", analisa.
A também terapeuta de casais Marina Vasconcellos, que lida com crises conjugais há seis anos, acredita que poucos resistem a reviravoltas financeiras na vida em comum. "Quando o problema financeiro aparece, o casal precisa se gostar muito para permanecer junto", diz. Em geral, questões que afetam o bolso geram irritabilidade, cobranças mútuas, falhas na comunicação e, o mais cruel: mexem com a autoestima. "A perda do emprego leva à depressão, e muitos ficam sem disposição e garra para buscar outro trabalho."
Os assuntos da crise financeira global e seus efeitos colaterais, como o desemprego, começaram a ser levados para o divã nas sessões individuais e daí migraram para a terapia de casal.
Marina conta estar acompanhando, no momento, um caso delicado com fundamentos financeiros: o marido perdeu o emprego em outubro do ano passado, a mulher não trabalha e o casal tem dois filhos. A ordem é cortar gastos, o que inclui o plano de saúde.
A tensão entre os dois triplicou de tamanho, e até uma separação judicial está em estudo. Para evitá-la, ambos terão de se adaptar à nova realidade econômica. A questão é saber até que ponto os dois estão unidos para encontrar alternativas e superar momento financeiro tão delicado sem cobranças mútuas.
É possível que esse caso engrosse as estatísticas de separações. Ou que a terapia ajude o casal a superar as dificuldades.
Fonte: Diário do Comércio
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