EXISTEM, SIM , inúmeras evidências científicas provando a relação entre fumo passivo e câncer de pulmão, diferentemente do que afirmou Denis Rosenfield em seu artigo "Formação da opinião pública" ("Tendências/Debates", 1º/04/2009).
E é devido a essas evidências que o tabagismo passivo já é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a terceira causa de morte evitável no mundo, subsequente ao tabagismo ativo e ao consumo excessivo de álcool. Vamos a elas.
Em 2004, uma vasta revisão de estudos e pesquisas que se acumulam desde a década de 80 sobre os riscos do tabagismo passivo levou a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da OMS a concluir que a fumaça de derivados do tabaco é cancerígena e genotóxica para seres humanos. E que não fumantes expostos a essa fumaça se tornam fumantes passivos, pois respiram os mesmos elementos tóxicos inalados por fumantes ativos. Relatório similar também foi publicado pelo Surgeon General (órgão equivalente ao Ministério da Saúde) e pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), ambos dos EUA.
As pesquisas também concluem que não existem níveis seguros para essa exposição. E que, quanto maior esta for, em tempo e intensidade, maiores serão os riscos.
Outro dado conclusivo é que não há sistema de ventilação capaz de eliminar exposição e riscos a níveis mínimos aceitáveis. Agências de proteção ambiental dos EUA e de outros países recomendam o banimento do ato de fumar de recintos coletivos como a única forma de proteger todos dos riscos do tabagismo passivo. Estudos epidemiológicos em várias partes do planeta se acumulam mostrando de forma substantiva que não fumantes expostos à fumaça ambiental de tabaco têm risco 30% maior de desenvolver câncer de pulmão e 24% maior de ter infarto.
Um dos efeitos deletérios mais imediatos da fumaça ambiental de tabaco é sobre o sistema cardiovascular. Estudos do efeito da fumaça nos vasos sanguíneos mostram o aparecimento quase imediato de inflamação e alterações agudas no endotélio (superfície interna); constrição desses vasos; aumento da capacidade de agregação das plaquetas no sangue, levando à formação de trombos, dentre outras alterações. Estas podem causar ou precipitar manifestações agudas de doenças cardiovasculares, como infarto e tromboses, principalmente em pessoas que já sofrem de síndromes coronarianas agudas.
As evidências desses danos levaram o CDC dos EUA a recomendar "que todos os pacientes sob risco de doença coronariana ou com doença arterial deveriam ser aconselhados a evitar recintos onde é permitido fumar". Um aspecto importantíssimo é que o tabagismo passivo atinge mais intensamente as crianças, com sérias consequências à saúde, incluindo bronquite e pneumonia, desenvolvimento e exacerbação da asma, infecções do ouvido médio e síndrome da morte súbita. Enfim, a fumaça que sai da ponta de cigarros, charutos e outros e se acumula em recintos coletivos não causa apenas incômodo. Ela mata mesmo.
Pesquisas mostram que no Reino Unido morrem por ano cerca de 2.700 não fumantes devido ao tabagismo passivo. São 20 mil na União Europeia e 50 mil nos EUA. No Reino Unido, o tabagismo passivo no trabalho contribui para cerca de metade das mortes anuais entre trabalhadores da indústria de hospitalidade.
No Brasil, epidemiologistas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro estimaram que morrem cerca de 3.000 não fumantes por ano devido ao tabagismo passivo. Outro estudo da UFRJ estimou que o governo gasta por ano R$ 19,15 milhões com tratamento de doenças provocadas pelo tabagismo passivo e R$ 18 milhões com o pagamento de pensões. O peso dessas evidências levou a Convenção-Quadro da OMS para Controle do Tabaco, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, a recomendar a proibição do ato de fumar em recintos coletivos como a melhor prática para proteger todos do tabagismo passivo. Também desaconselha alternativas como sistema de ventilação e filtragem do ar.
E o Brasil, enquanto parte desse tratado, vem se esforçando para dar à população a proteção mais adequada contra a exposição à fumaça ambiental de tabaco em recintos coletivos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 4º, define liberdade como o direito de "poder fazer tudo o que não prejudique os outros". Portanto, está perfeitamente justificado que os fumantes mantenham a liberdade de fumar, desde que não o façam em recintos coletivos. Ao buscar o aperfeiçoamento da sua legislação, o Estado não restringe o direito individual de fumar. Mas busca cumprir com seu dever de garantir à sociedade um direito básico: o direito à saúde.
LUIZ ANTONIO SANTINI, médico, professor, é diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e membro da diretoria da União Internacional contra o Câncer (UICC).
Fonte: Folha de São Paulo, 13 de abril de 2009.
NOTA: Em que pese os argumentos contrários à Lei que restringe os ambientes para fumantes aprovada recentemente no Estado de São Paulo,
acredito estar correta a Lei por duas razões: o direito à saúde (e à vida) de terceiros deve prevalecer sobre o direito do usuário de fumar em qualquer ambiente. E segundo, o Estado gasta uma fortuna (dinheiro de impostos) com saúde pública na tentativa de reverter os problemas decorrentes do tabagismo. Não acha uma irresponsabilidade gastar todo esse dinheiro com algo que a sociedade pode evitar? Afinal, se fumar fosse algo essencial para a vida Deus teria projetado uma chaminé na cabeça do homem...
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