Jamil Chade - CIDADE DO VATICANO
O Vaticano não conseguirá atingir um dos seus principais objetivos políticos na viagem do papa Bento XVI ao Brasil a partir de amanhã: a assinatura de um acordo com o governo garantindo à Igreja todos os seus direitos no território nacional, inclusive a consolidação de todas as isenções fiscais que recebe, obrigações no setor educacional e mesmo a autorização para que missionários possam entrar em reservas ecológicas e indígenas. O governo ainda teme que o acordo poderia ser, no futuro, interpretado como uma forma de dificultar mudanças nas leis do aborto, já que deixaria claro que o Estado brasileiro e o Vaticano compartilham dos mesmos valores.
A embaixadora do Brasil na Santa Sé, Vera Machado, negou ontem em Brasília que o governo brasileiro já tenha tomado qualquer decisão sobre o assunto. “O acordo está em negociação e não há nenhuma posição pré-fixada em não assinar”, afirmou.
O Brasil se recusou a assinar o acordo proposto no final do ano passado e sugeriu uma versão light do tratado, apenas citando as boas relações entre o Vaticano e o Estado brasileiro e remetendo todas as questões à Constituição e ao Código Civil.
O Estado apurou que o chanceler Celso Amorim nem sequer irá ao encontro entre o papa Bento XVI e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele usará uma desculpa protocolar: como o encontro ocorrerá apenas entre o papa, Lula e o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertoni, não haveria motivo para a presença do chanceler. O Vaticano não enviará seu “ministro” responsável pelas Relações Exteriores, Dominique Mamberti, já que se trata de uma viagem pastoral.
Protocolo à parte, Amorim conseguiu evitar assim o encontro e tratar do acordo. Do lado brasileiro, apenas Vera Machado estará presente. Segundo ela, o acordo não está na agenda do encontro. A embaixadora reafirmou que essa é uma visita pastoral do papa e não serão discutidos assuntos de governo. “O acordo será discutido em outra ocasião.”
TEMAS DELICADOS
Lula prometeu uma visita ao Vaticano em setembro deste ano para tentar garantir boas relações entre o maior País católico do mundo e a Igreja. Em todo seu governo, o presidente esteve em Roma apenas no funeral do papa João Paulo II.
Quanto ao acordo, o Vaticano alega que vários governos contam com acordos similares com a Santa Sé, entre eles a Itália. Um dos países que recentemente renovaram seu acordo com o Vaticano foi Portugal, em 2004. O entendimento reconhece a personalidade jurídica da Igreja, os feriados religiosos e isenta o clero de deveres judiciais. Mas o acordo com Portugal inclui temas mais delicados. Pela concordata, o casamento religioso é equiparado ao casamento civil, o divórcio passa a ser algo “grave” e ainda estabelece a “educação moral e religiosa católica”. No caso do Brasil, diversas leis garantem certos privilégios à Igreja, como isenção fiscal e reconhecimento da estrutura de poder.
Mas o que o Vaticano queria agora é a união de todas essas leis em um documento único. No fim do ano passado, a Igreja enviou a proposta ao governo, o que pegou Brasília de surpresa. O Itamaraty convocou o Ministério da Fazenda para debater o que isso implicaria às contas nacionais, já que a isenção não é dada apenas às paróquias, mas seminários e outras entidades religiosas.
Na prática, o acordo não significaria uma maior isenção imediata à Igreja. Mas engessaria o governo para o futuro em relação a qualquer mudança. Além disso, o governo teme que a bancada evangélica no Congresso (10% dos parlamentares) se mobilize para obter acordo similar para suas igrejas.
O acordo ainda poderia servir como mais um mecanismo para que o Vaticano garantisse o ensino religioso nas escolas públicas. A Igreja, em sua proposta inicial, fala de “ensino católico”, mas resolveu amenizar os termos para tentar um acordo, o que nem assim foi aprovado pelo governo.
Apesar de não falar diretamente de aborto, o governo teme que o acordo possa ser usado no futuro pela Igreja para pressionar contra reformas da lei que permitam o aborto.
Outro ponto destacado pelo acordo que assustou o governo foi a proposta de que missionários religiosos tenham livre acesso e proteção em reservas indígenas e ambientais, como a Amazônia. A Igreja ficou preocupada com a morte da irmã Dorothy Stang e a citação do tema no acordo seria uma forma de dar proteção aos missionários.
Fonte: O Estado de São Paulo, 08 de Maio de 2007.
NOTA: Mesmo sendo contra a legalização do aborto, devo comemorar a possível recusa do governo brasileiro em assinar uma concordata com o Vaticano, uma vez que por trás desse acordo há a violação do caráter laico da República do Brasil (a união Igreja-Estado sempre é perigosa para a liberdade de consciência).
3 comentários:
"No caso do Brasil, diversas leis garantem certos privilégios à Igreja, como isenção fiscal"
Perguntas:
1) O texto acima pode ser interpretado como um favor, ou graça do poder (Estado)?
2) É a IASD beneficiária deste favor?
3) Se sim não é esta uma forma de vinculação ao Estado, uma vez que todos os demais cidadãos (CNPJ e CPF), devem financiar o bem da coletividade da qual fazem parte, através do pagamento de impostos?
Esclarecendo:
A frase citada foi mal formulada pelo articulista. Não existem "diversas leis" para favorecer Igrejas, mas sim, a Constituição Brasileira (que está acima de qualquer outra lei), no artigo 150, inciso 4, linha B, prescreve a imunidade tributária de qualquer entidade religiosa (qualquer que seja a profissão de fé).
Outro equívoco é apontar isso como "benefícios", quando na verdade, trata-se de "prerrogativa constitucional" (e se é prerrogativa então independe de favores).
A IASD também se enquadra nessa prerrogativa.
A isenção não caracteriza nenhum vínculo entre Igreja-Estado, pelo contrário, faz parte da Constituição justamente pelo Estado Brasileiro ser laico. Se houvesse o pagamento de tributos ficaria caracterizado o vínculo, e na prática, a Igreja poderia ingerir em assuntos do Estado por sentir-se no "direito". E o Estado, por sua vez, começaria a ingerir em assuntos da Igreja, ou até mesmo, daria tratamento "diferenciado" àquelas entidades que arrecadassem mais impostos. Descaracterizaria o Estado laico.
Caro Pastor Sergio, esta é uma boa resposta às minhas perguntas. É possível que ajude a outros irmãos que possivelmente poderiam ter as mesmas dúvidas.
Obrigado.
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