segunda-feira, dezembro 03, 2007

Um dia na semana para não fazer nada

A eleição de Nicolas Sarkozy, contrário à semana de 35 horas, parece indicar que os franceses preferem uma suposta garantia de ter emprego, em vez de trabalhar menos, como estabelece a legislação em vigor. Muitos leitores vão achar este texto um tanto antiquado. Assumo o risco de parecer fora de moda e propor o seguinte: que tal parar tudo, uma vez por semana? Sim, é isso mesmo. Estou sugerindo retomar a recomendação bíblica de deixar de trabalhar por 24 horas, a cada sete dias. E mais, o descanso seria simultâneo, no mesmo dia para todos. Loucura? Bobagem? Vejamos.

Na Antiguidade, a extensão da jornada era limitada pela rotação da Terra. Naqueles tempos, a atividade econômica principal era a agricultura, e o limite era dado pela luz do dia. Com a industrialização e a luz interior nos ambientes, o limite natural da jornada foi superado. A revolução industrial impôs jornadas de 14, 16 horas, para homens, mulheres e até crianças. Os trabalhadores lutaram muito para, enfim, conquistar a jornada de 8 horas.

Mas a coisa não parou por aí. Nas últimas décadas do século passado, a reivindicação de reduções adicionais na jornada ganhou corpo nos países industrializados. Em muitos deles a carga semanal de trabalho não passa de 40 horas e chega a 35 horas em uns poucos. Essa tendência de diminuir a jornada amainou em razão da acirrada competição nos mercados mundiais. Os países asiáticos adotam jornadas longas, e imprimem um ritmo de trabalho pesado para maximizar a produtividade da mão-de-obra nas atividades intensivas em trabalho manual. As empresas sediadas em países ocidentais têm utilizado o argumento da competição para conseguir reverter a tendência de redução nas jornadas. Na França, o tema foi assunto da recente campanha eleitoral presidencial. Não deixa de ser ilustrativo que Nicolas Sarkozy, o candidato que defendia o abandono da limitação em 35 horas, adotada na administração socialista recente, tenha vencido o pleito. As pessoas parecem dispostas a abrir mão de jornadas menores para garantir seus empregos. Parece uma reversão na tendência secular de redução da jornada de trabalho.

Estamos muito preocupados com as externalidades negativas associadas ao crescimento. Poluição do ar e das águas, aquecimento global são temas do momento. Mas a atividade econômica pode produzir outros tipos de externalidades tão perigosas quanto as ambientais. Uma delas é a degradação dos recursos humanos provocada pelo excesso de trabalho. Se prestarmos atenção, veremos que esse tipo de poluição é tão generalizado e pernicioso quanto os outros.

O receio de perder o emprego, alimentado pela competição em escala global, leva as pessoas a abrir mão até da qualidade de suas vidas. Tenho o hábito de nadar na hora do almoço, no clube. Freqüentemente, vejo na raia ao lado uma jovem que leva à piscina seu aparelho celular, deixa-o ligado na beirada e pede para alguém atender, se for o caso, e dizer que ela estará de volta em seguida. A moça não se permite usufruir de privacidade nem nos momentos de lazer!

Na escola em que leciono, a FEA/USP, vejo alunos dos cursos de graduação sempre apressados, porque precisam correr para o estágio. Muitos assistem apenas a uma parte das aulas, porque o trabalho não permite ficar muito tempo na escola. Suas empresas exigem jornadas extensas e dedicação total, mesmo sabendo que são profissionais ainda em formação. A competição aguda no mercado de trabalho preocupa esses jovens. Têm receio de não conseguir um emprego depois de formados e aceitam esses regimes de trabalho. Além de prejudicarem sua própria formação, não se permitem viver mais intensamente a experiência única que a universidade proporciona nesse período maravilhoso de suas vidas.

Em muitas atividades econômicas, diminuem as diferenças entre dia e noite, entre dias de semana e fins de semana. Parece que caminhamos para uma sociedade do trabalho permanente. Temos a sensação de que os intervalos entre as jornadas diminuem de tamanho e as folgas ficam menos freqüentes. Não é coincidência que, hoje, um dos temas mais importantes para os gestores de recursos humanos seja a questão do equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. Pesquisas e estudos são desenvolvidos para ajudar as empresas a implementar programas para "ensinar" seus colaboradores a dar atenção às outras dimensões da vida, além do trabalho.

Para combater a poluição ambiental, aceitamos que o Estado imponha limites na emissão de agentes nocivos. Aceitamos também que as empresas poluidoras paguem tributos pelo dano que causam, ou ainda que "comprem" o direito de poluir por meio de créditos de carbono oferecidos por empresas que não poluem. Em suma, aceitamos como natural e necessária a idéia de mecanismos compulsórios ou voluntários para controlar a poluição.

Na mesma linha, deveríamos também pensar em mecanismos para controlar a "poluição" dos recursos humanos. Uma das maneiras seria a imposição efetiva do limite da jornada de trabalho. Outra maneira seria o retorno ao regime de um dia sem trabalho na semana. Nesse dia (o domingo), todos teriam tempo para dar atenção à família, para passear, para estar com os amigos, para ler, para rezar, enfim, para fazer tudo o que nos completa como seres humanos e que estamos abandonando pelo trabalho. [Grifo acrescentado].

Todos poderiam se encontrar, porque ninguém estaria trabalhando, ninguém estaria competindo. O dia semanal sem trabalho teria um efeito simbólico muito importante, pois criaria um sinal muito concreto para nos lembrar que as relações afetivas devem ser vividas e não esquecidas. Pelo menos uma vez por semana. [Grifo acrescentado].

Hélio Zylberstajn - Professor da FEA/USP e presidente do Ibret - Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Salário.

Fonte: Valor Econômico, 17 de agosto de 2007.

(Colaboração: Andrei Vieira e Marcello Flores)

NOTA: Dois fatos interessantes nesta matéria: Primeiro, o reconhecimento por parte de intelectuais, de que o homem não foi criado só para trabalhar. Ele precisa de um dia por semana para o descanso, o relacionamento familiar e a prática religiosa. Deus mesmo estabeleceu esse dia para o ser humano descansar: "Lembra-te do dia de sábado para descansar". (Êx 20:8). Em segundo lugar, ao defender o descanso dominical abertamente, a matéria demonstra estar próximo o momento histórico profetizado no Apocalipse quando, antes da volta de Jesus, seria estabelecido a Lei Dominical mediante imposição política.

4 comentários:

Diário da Profecia disse...

http://www.fsavi.com/artigo.php?id=141

Diário da Profecia disse...

Pra que suar tanto?

No comércio, setor em que estão os menores salários e os maiores percentuais de horas trabalhadas, a negociação promete ser dura e a intenção é justamente derrubar o acordo que permite o trabalho aos domingos.
...
O inglês Guy Ryder, secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), concorda. Em visita ao Brasil, em julho, Ryder defendeu uma reivindicação para valer. "A luta pela redução do tempo de trabalho extrapola as categorias e as reivindicações, como no passado. Agora é universal e filosófica. Deve levar em conta a necessidade da empresa e também da sociedade", disse Ryder ao Valor.

http://www.unicamp.br/unicamp/canal_aberto/clipping/agosto2007/clipping070817_valoreconomico.html

Seria esta a esperança que BXVI trouxe em sua encíclica e que certamente será objeto de seu arrazoado social que está por ser apresentado?

Diário da Profecia disse...

Pastor,
Olha onde se quer chegar com a "esperança"...

"...digo que me parece uma grande intuição a de falar de esperança hoje. Por quê? Na perspectiva justamente do que acabamos de dizer, em relação à Populorum Progressio, a destruição do ecossistema determina que tenhamos preocupação pelo futuro.

Não nos fazemos já a pergunta de onde viemos mas nos fazemos a pergunta dramática de para onde vamos. O que será do planeta, o que será da humanidade, o que será de nossas vidas, que será das crianças.

Nesta perspectiva, falar de esperança em chave não só de espera do futuro mas em chave de ‘escatologia’, de realização do Reino de Deus, é retomar o centro da mensagem cristã. Jesus anunciou o Reino de Deus."

http://www.zenit.org/article-16925?l=portuguese

Anônimo disse...

http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2007/12/02/327410109.asp