sexta-feira, maio 23, 2008

Chegou a Zeca-Hora de dar um basta


23 de maio de 2008
Sinceramente, não agüento mais ver mãe sofrendo morte de filho. Na sexta-feira passada, pela segunda vez em menos de dois meses, fui ao velório do filho de uma amiga, morto aos 24 anos em um acidente de trânsito ocorrido na madrugada.
A dor que presenciei chega a ser obscena de tão intensa. Minha amiga, que sempre conheci para lá de radiante, teve o coração destroçado. Em sua agonia, a todos que a abraçavam, ela só conseguia balbuciar a mesma pergunta: "Como vou viver sem meu filho?". Um dos presentes me contou que aquele era o quinto velório de jovem a que ele comparecia nos últimos tempos. Andrey, o rapaz morto, não era de beber, mas a Vespa em que trafegava foi apanhada por um Audi que não prestou socorro.

Seria o caso de deduzir que o Brasil está lutando uma guerra e que, ao completar 18 anos, nossos filhos, irmãos, primos e amigos estão sendo mandados para o front de batalha. Mas se guerra houvesse, essa meninada ao menos estaria morrendo por uma causa e não tendo a vida interrompida sempre pelo mesmo motivo estúpido. Parece haver uma conspiração contra essa geração que hoje está completando 18 anos e ganhando seu primeiro automóvel. Todos, meninas inclusive, bebem demais, todos comem de menos, todos vêm e vão em horários impensáveis de se sair e voltar para casa e todos, juntos, formam o público-alvo de uma indústria perversa, a de bebidas alcoólicas, que confunde propositalmente liberdade de expressão com permissividade a fim de criar novos consumidores (e vítimas).

Eu pergunto: como é que, até hoje, ninguém contestou em praça pública a venda de um produto indecente como aquela garrafinha de 300 ml de vodca adocicada, que é destinada exclusivamente ao consumo de gente jovem? Como podem as marcas de cerveja cooptar impunemente os ídolos da juventude para serem garotos-propaganda de seus produtos? Como pode o manobrista da casa noturna entregar, sem questionar, as chaves do carro ao jovem que está cambaleando de bêbado?

Nunca entendi esse negócio de "esquenta" - o ato de começar a beber antes da festa e só chegar à tal da "balada" em horários em que, antigamente, a gente estaria voltando para casa. Como é que os pais admitem esse ritual macabro? Não será óbvio que o "esquenta" aumenta as chances de o jovem se meter em encrenca e que seis ou sete horas de festa é tempo demais para qualquer um agüentar de cara limpa?

Tem pai que é cego, e a mera existência do celular passou aos progenitores uma falsa sensação de segurança. Se sei onde meu filho está, tudo bem, pensam eles. Mas não é bem assim. Por mais jovens que sejam os baladeiros de hoje, não há cristão, judeu, muçulmano ou descrente que agüente virar a noite na balada com música eletrônica. Tanto não há, que a prefeitura agora obriga por lei as casas noturnas a ter bebedouro acessível aos freqüentadores. Alô, papai e mamãe para quem a ficha ainda não caiu! Desidratação combina com ecstasy. E bebida combina, sim, com volante e com briga. Ou será que ninguém nunca viu bêbado valentão pisar no acelerador e tímido reagir como leão quando está de cara cheia?

NOTA: ["Zeca-Hora" é uma expressão que faz lembrar a propaganda de uma marca de cerveja no Brasil, criada a partir do nome de um cantor nacional popular "Zeca" mais o nome do dia semanal "quarta-feira", induzindo os consumidores a parar nos bares para tomar cerveja também às quartas-feiras: "Quarta-feira agora é Zeca-feira", é o slogan da propaganda]. De um lado, analisando o lado espiritual da questão, esta triste realidade descrita acima é um dos sinais dos últimos dias: "os homens serão mais amigos dos prazeres do que amigos de Deus" (2Tm 3:1-4). Por outro lado, olhando o lado temporal, temos uma colisão de direitos fundamentais: o direito à liberdade de expressão (cervejarias) versus o direito à vida e à saúde (pessoas). Quando há colisão de direitos fundamentais deve-se buscar sempre a "maior liberdade possível, conjugada a uma mínima restrição necessária", com o "sacrifício mínimo dos direitos em jogo". Como não há nenhum direito absoluto, nem uma hierarquia absoluta entre os principais direitos fundamentais (vida, propriedade e liberdade), deve-se analisar cada caso e usar de bom senso para resolver o conflito. Como o produto comercializado, no caso a cerveja, possui teor alcoólico, cujos efeitos são comprovadamente prejudiciais à vida e à saúde pública, o direito à liberdade de expressão das cervejarias deveria ser limitado tendo em vista a maior proporcionalidade e razoabilidade (em termos de custo-benefício), bem como a maior importância relativa do direito à vida e à saúde das pessoas, até porque a simples inclusão da frase "beba com moderação" nas propagandas de cerveja tem se mostrado inútil.

Um comentário:

Anônimo disse...

E incrivel a hipocrisia dos governantes e meios de comunicacao, pois dos dois bandidos (fumo e drogas) se fala totalmente contra um deles o fumo, existem propagandas falando contra o fumo, exemplo disso e a transmissao de corridas de formula 1 que fala que cigarro causa cancer entre outras doencas, mas na mesma transmissao se faz propaganda de cerveja,do tipo: FORMULA 1 2008, OFERECIMENTO CERVEJA TAL. E depois ainda tem a cara de pal de noticiar o grande numero de acidentes de transito e outros problema causados pelo excesso de alcool. Deus te abencoe, Irmao Santelli. Jose Ricardo Dobson de Souza