Historicamente, Igreja e Estado nunca conseguiram uma parceria neutra. Com a evolução das sociedades, o Estado foi se desvinculando da influência da Igreja, tornando-se laico, mais democrático e autônomo.
Mas o Brasil parece estar recuando até o século XIX, segundo alguns críticos ao ensino religioso obrigatório nas escolas públicas brasileiras. Roseli Fischmann é uma delas. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Metodista, de São Bernardo do Campo, Roseli é autora do livro Ensino Religioso em Escolas Públicas: Impactos sobre o Estado Laico. Para ela, é preciso deixar bem clara a ideia de que, se a escola é pública, ela precisa ser laica. Ao contrário das escolas religiosas particulares, nas quais os pais matriculam seus filhos por opção, por quererem seguir determinada confissão religiosa, a escola pública pertence ao Estado, ou seja, ela é de todos. “O acordo que o Brasil assinou com a Santa Sé torna o ensino religioso católico obrigatório, bem como o de outras confissões. Para começar, como a Igreja católica pode decidir sobre as outras religiões? Isso não é republicano e nem democrático”, explica a professora, que esclarece ser uma pessoa de fé que defende o Estado laico com argumentos acadêmicos.
Estado laico no papel
Todos os que transitam pelas escolas públicas brasileiras costumam se deparar com símbolos religiosos, geralmente católicos – como crucifixos e imagens da Nossa Senhora -, espalhados pelas salas e dependências. Parece não ser nada significativo, já que a maioria da população brasileira é católica, mas a professora Roseli alerta para o perigo de se privilegiar uma religião em detrimento de outras: “Quando a escola exibe esses símbolos, pode significar que aquela religião é mais importante do que as outras. Além disso, a Constituição, que é o documento mais importante do país, explicita que o ensino religioso é obrigatório, mas facultativo ao aluno. Na prática, isso quer dizer que, em vez de os pais autorizarem ou não que seus filhos assistam a aulas de ensino religioso impostas pela escola, os pais é que deveriam solicitar as aulas à escola para então, mais tarde, o aluno optar por assisti-las ou não”.
Um estudo apresentado em 2008 pela ong Ação Educativa revelou que em todos os estados brasileiros já existem leis sobre o tema. E muitas contêm várias inconstitucionalidades, como ministrar o ensino religioso no ensino médio. As leis se agrupam em três grandes modelos: o modelo interconfessional – que procura reunir um grupo de religiões – é o mais disseminado no país. O problema é que geralmente as aulas seguem os preceitos de religiões cristãs – católica e protestante. O segundo modelo leva em conta as religiões da clientela das escolas e os professores são indicados pelas organizações religiosas. É um modelo administrativamente impossível de ser implantado, pela diversidade de religiões existentes entre a população. E o terceiro modelo defende o ensino da religião como um fenômeno social e histórico. O problema desse modelo é que exige professores muito bem preparados para ministrar as aulas, que não sejam influenciados por suas próprias crenças e saibam enfrentar resistências e incompreensões por parte dos alunos e de suas famílias.
Ética não é doutrina religiosa
Para a professora Roseli, além de todas as dificuldades e suscetibilidades inerentes ao ensino de uma ou diversas religiões, existe o perigo de a doutrina se sobrepor ao processo educativo. “O desenvolvimento da autonomia é o grande objetivo da educação. A pessoa precisa aprender a refletir sobre os fatos, respeitar como o outro pensa, avaliando suas opções e fazendo suas escolhas. A autonomia é ditada pela vida em sociedade. Por isso, é perigoso se um professor recorre a explicações simplificadas como ‘é assim porque Deus quis’. A criança acaba não aprendendo a pensar por si mesma”, afirma a estudiosa, que já há alguns anos vem participando de debates e escrevendo diversos artigos sobre o tema, como o publicado na Revista ComCiência, produzida pelo LabJor – Laboratório de Jornalismo da Unicamp.
Outro perigo é o proselitismo. Mesmo sem querer, um professor pode acabar influenciando a escolha religiosa de um aluno, o que é proibido por lei. “A liberdade de crença é constitucional. A regra da maioria no jogo democrático não pode passar por cima das minorias. Existe um texto constitucional e ele não libera o Estado para ministrar o ensino religioso que melhor lhe convier”.
Um dos mais fortes argumentos de quem defende o ensino religioso nas escolas é que ele pode ajudar a combater a violência e a crise de valores. Outro equívoco perigoso, segundo a professora. “A ética não pode depender de uma religião. Nem se pode sempre evocar um deus para se combater a violência. A escola precisa lidar com esses problemas baseada nos valores humanos. Pois somos todos seres humanos, e precisamos buscar o respeito mútuo como humanos. Se precisarmos evocar uma figura divina para alcançar isso, essa busca se destrói, pois será sempre intermediada por uma divindade. E se uma criança tiver um Deus diferente do meu? E se uma outra não acreditar em nenhum Deus, como fica?”, questiona ela, que é também perita da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para a Coalizão de Cidades contra o Racismo e a Discriminação.
Roseli encerra defendendo a liberdade de consciência: “Ela é a mãe de todas as outras liberdades. As pessoas devem escolher sua religião de forma livre e autônoma, assim como escolhem suas carreiras e seus parceiros. O direito à liberdade de consciência, de crença e de culto é um tripé universal e fundamental.”
Fonte: Opinião e Notícia
Um comentário:
Ainda não cheguei a ter aula com a profa. Roseli Fishmann; mas já me disseram bem dela. Em geral, todos os professores da FE (Faculdade de Educação) da USP são muito bons.
Contudo, contraditório essa argumentação diante de um ponto de vista do Ontológico. Sendo que outros professores, da própria instituição, afirmam que Educação, só pode existir, só pode ser produzido, a partir de uma essência puramente religiosa e metafisica; de modo a desenvolver aquilo que é virtude, valores, caráter.
Ao passo, que o que se hoje chama de Educação, mesmo a maioria dos religiosos, não o é. Pois pouco se volta para a virtude e tais valores, talvez como Platão já dizia: "Onde posso encontrar tal homem mestre em ensinar a virtude?" Então o que é? É apenas um "treinamento". Sobretudo, quando se fala da Nova Politica da Educação Brasileira, a Educação por Competências; que sem mais detalhes, é a escola puramente voltada a atender as necessidades e vagas das empresas, das corporações.
Logo, diante disso, onde fica a educação? Talvez, nos livros, talvez na biblioteca, ou na cabeça de algum professor idealitico. Pois se o Estado está preocupado com o Ensino publico e democrático, antes, está preocupado e trancafiar a Educação; condiocionando as pessoas a serem apenas soldadinhos de chumbos corporativos.
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